Cadeira nº 30: Lia Salgado

Patrona da Cadeira nº 30 da Academia Leopoldinense de Letras e Artes

Cantora Lírica

Discurso de posse da acadêmica Elizabeth. A. de C. Mendonça Fontes

Ilmo. Sr. Prof. Luís de Melo Sobrinho, presidente da Academia Leopoldinense de Letras e Artes; Ilmo. Sr. Dr. Ronald Alvim Barbosa, vice-presidente; caríssimos acadêmicos, autoridades, representantes institucionais; querida família, amigos, senhores e senhoras; meus cumprimentos. 

Gostaria de iniciar com palavras de alegria por estar de volta à minha cidade, a “pequena Leopoldina”, como cantou o poeta, para participar do evento de posse dos novos acadêmicos da ALLA. E dizer o quanto me sinto honrada com o convite para ser membro desta admirável instituição de representantes da Literatura e das Artes. 

Ser homenageada e ter o reconhecimento do meu trabalho, na cidade em que nasci, é um presente que abraço com total carinho e gratidão. Espero, ocupando este lugar que hoje me é confiado, poder contribuir para o crescimento da cultura, das letras e das artes, especialmente a música, onde trilhei meu caminho profissional. 

Na oportunidade que me foi concedida de escolher um patrono que inspiraria minha trajetória acadêmica, não hesitei em sugerir “Lia Salgado”, nome que se faz presente em minhas lembranças e memórias afetivas desde menina, quando comecei a estudar música no Conservatório. Lia Salgado sempre foi um nome feito música em meus ouvidos. Sempre representou a casa que construiu meu tempo sonoro na infância, adolescência e juventude; formou e conduziu minha trajetória musical como aluna e como professora. 

Lia Salgado foi a artista por quem sempre nutri um olhar de admiração, inspiração e respeito. O nome mais pronunciado no cenário musical de nossa cidade por meio do Conservatório Estadual de Música, o qual projetou Leopoldina no estado de Minas Gerais e nacionalmente. 

Para além de minhas memórias afetivas e de todo apreço pelo berço artístico em que me nutri, reverencio o nome de Lia Salgado por ter sido a grande cantora lírica do seu tempo, no cenário nacional. 

Segundo a biografia escrita por sua filha Marilia Salgado, Lia Portocarrero de Albuquerque Salgado nasceu em 1914, no Rio de Janeiro, onde criou-se em meio artístico. Descendente pelo lado paterno da família Cavalcanti d’Albuquerque, de Recife, e do materno, da família Portocarrero, do Rio de Janeiro, de origem espanhola. 

Desde cedo, distinguiu-se pela bela voz e, ainda no curso primário, fazia-se notar pela sua musicalidade, incluída que era em todas as comemorações anuais do colégio. Fez o curso Normal no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que estudava piano e violão. Solteira, no Rio, morava na casa de sua avó, em São Francisco Xavier, juntamente com vários tios e primos, que à noite se reuniam e tocavam em várias formações musicais, pois cada qual tocava um instrumento, além de também serem compositores. Nas festas, era seu pai que tocava o piano para os pares dançarem. 

Em 1934, casou-se com o médico leopoldinense Dr. Clovis Salgado, com quem teve 3 filhos: Clóvis Augusto, Virginia Helena e Marília. 

Como decorrência de o marido ter vencido concurso para professor catedrático de Ginecologia da Universidade de Minas Gerais (hoje UFMG), o casal mudou-se para Belo Horizonte, em 1937. Longe da família, ainda sem relações de amizade, Clovis Salgado sugeriu que estudasse canto com uma de suas pacientes, a professora Nahyr Jeolás. Revelando extraordinário talento e bela voz de soprano, prosseguiu o estudo no Rio de Janeiro, com o grande professor Murilo de Carvalho e, posteriormente, com a alemã Marion Matheus. Completou seus estudos musicais formando-se no Conservatório Mineiro de Música, em 1946. Paralelamente, fez os cursos de francês e italiano. 

Como cantora lírica, estreou, em 1947, com a famosa Ópera “Cavalleria Rusticana”, de Mascagni, em comemoração ao cinquentenário de Belo Horizonte. Em 1949, estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro com a Ópera “La Bohème”, de Puccini, tendo prestado concurso de seleção de cantores para a Primeira Temporada Nacional. Desde então, participou de todas as temporadas naquele teatro até 1972. Participou também de temporadas líricas nos teatros de Belo Horizonte, Porto Alegre, São Paulo, Salvador, Niterói e Brasília. 

Juntamente com o Dr. Clóvis Salgado, fundou a Cultura Artística de Minas Gerais, a Sociedade Coral de Belo Horizonte e a Sociedade Mineira de Concertos Sinfônicos. Delas emergiu a Fundação Universidade Mineira de Arte, com suas escolas de música e artes plásticas, hoje transformada em escolas integrantes da UEMG. 

Seu repertório lírico era vasto e incluía óperas de grande importância, dentre elas, La Traviata, La Bohème, Don Giovanni, Carmen, As Bodas de Fígaro, Cavalleria Rusticana, Madame Butterfly, O Guarani. Apresentou em estreia mundial em Belo Horizonte, no Teatro Francisco Nunes e no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a ópera Tiradentes, do compositor brasileiro Eleazar de Carvalho. 

Especializou-se na canção de câmara brasileira e dedicou-se ao trabalho de sua difusão no Brasil e no exterior. Gravou uma dezena de discos de música brasileira incluindo a primeira gravação de música barroca mineira, a Missa em Fá bemol, de Lobo de Mesquita. Tendo estudado as canções com os próprios compositores e maestros brasileiros – Camargo Guarnieri, Heitor Villa-Lobos, Francisco Mignone, José Siqueira e Alceu Bocchino – suas gravações constituem valorosa contribuição histórica. 

Gravou programas na Rádio Difusora de Paris. Apresentou-se com enorme êxito em Madri, Lisboa, Londres, Buenos Aires, Nova York (Carnegie Hall), Boston, São Francisco, Los Angeles, Manchester, Houston, Nova Orleans, Filadélfia, Miami e Washington, D.C. 

Em 1958, participou da reinauguração do Teatro São Pedro, de Porto Alegre, sendo a única cantora brasileira incluída no elenco convidado do Teatro Colón, de Buenos Aires. Foi também a única convidada brasileira para participar do concerto que celebrou o centenário de nascimento de Puccini, na Itália, em 1958. 

“Segundo especialistas, além do grande refinamento vocal e musical, o tom brejeiro e sedutor, a graciosidade, a vivacidade, a expressividade, o bom humor e a espontaneidade da cantora encantavam as plateias do mundo todo. Foi considerada pelo compositor brasileiro, Camargo Guarnieri, como uma das maiores cantoras do Brasil. A voz bela, bem timbrada e flexível, associada ao bom gosto e à sensibilidade da cantora resultou num singular talento que deixou sua marca na historiografia da música brasileira”. (J.D) 

Em 1954, quando da fundação do Conservatório por Juscelino Kubistchek, Lia Salgado foi homenageada, eternizando seu nome junto à instituição que passou a se chamar Conservatório Estadual de Música “Lia Salgado”, e que teve como primeira diretora a ilustríssima pianista, Dona Helenice da Cruz Machado Bella, nomeada em 1956, que realizou um magnífico trabalho musical nesta cidade, por 30 anos. 

Em entrevista com Dona Helenice, relatou-me que 
“Dona Lia” costumava vir muito à Leopoldina, onde se hospedava na fazenda da família, a Fazenda Copacabana, localizada na estrada para o distrito de Providência. Dona Lia não esteve presente na inauguração do Conservatório, mas Dr. Clóvis Salgado seu esposo e Governador de Minas na época, se fez representar por um parente dele, diretor do Conservatório de Visconde do Rio Branco, prof. Lucas Lacerda, como consta na Ata de inauguração de 23/01/1956. Em Leopoldina, Dona Lia deu um recital apenas, aliás, maravilhoso! Trouxe uma pianista para acompanhá-la. Visitou o Conservatório umas duas ou três vezes com seu esposo e assistiu apresentações dos alunos. Era uma mulher linda. Uma dama em todos os sentidos! Delicada, sorridente e gentil”. 

Lia Salgado faleceu no dia 14 de novembro de 1980, em Belo Horizonte. É a patrona da cadeira de número 24 da AFEMIL - Academia Feminina Mineira de Letras. 

O acervo completo de Lia Salgado, com mais de 700 itens, entre programas, críticas, fotografias, correspondência, discos, encontra-se no Museu Histórico Abílio Barreto, em Belo Horizonte. 

Diante de nome tão expressivo na cultura e na música, sinto-me honrada em ocupar a cadeira de número 30, que lhe corresponde nesta academia. 

Gostaria de expressar meus mais sinceros agradecimentos a todos que me fizeram chegar até aqui. A Deus, fonte de vida e de todos os dons. A meus pais, que em sua simplicidade, não pouparam esforços para proporcionar-me os melhores estudos que eu poderia ter. Aos meus irmãos, minhas famílias e amigos, presença constante e apoio feliz. A todos os professores que ensinaram e me conduziram ao conhecimento, que reconheceram e incentivaram minhas habilidades e minha sensibilidade. Aos meus alunos, com quem aprendi a ser educadora. Ao Colégio Imaculada Conceição e ao Conservatório Estadual de Música Lia Salgado, instituições que me acolheram por tantos anos como aluna e professora. A todos aqueles que bordaram em mim sentimentos de amor e afeto. Às minhas filhas, que são a melhor poesia e música que eu terei composto em toda a minha vida. Aos meus padrinhos e demais acadêmicos da ALLA que me acolhem neste momento de significado eterno. 

A todos, meu sincero obrigada.

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