sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Colheita, poesia finalista no XXV Concurso de Poesias Augusto dos Anjos


Apresentação realizada no dia 11 de novembro de 2016, no Museu Espaço dos Anjos, em Leopoldina, MG

COLHEITA

Autora: Helenise de Mello Bisaggio (Juiz de Fora/MG)
Pseudônimo: Lustral
Intérprete: a autora

Debaixo dos galhos retorcidos.
Difícil parturição!
Mãe despeja germe humano.
Na terra tórrida do sertão.

“- Pai, manda chuva!”

Todo ano era assim:
- A seca, a desgraça, o aborto...
“- Virgem Mãe, manda chuva!”
“- Vingou! Dessa vez vingou, em um sequinho corpo!”

“Kara Wã! Kara Wã, esse nome vai chamar.”
Vai precisar de resistência.
Vai ter muito o que rezar.
É o terço na mão, joelho no chão, penitência...

Cresce Kara Wã naquele Torrão natal.
Semeando grãos nas areias do torpor.
Regando dia-a-dia com lágrimas do coração.
Colhendo depravação, pungência, dor.

Na mesmice de sangrar todo mês.
Sem nenhuma ararinha a fazer ninho em sua cabeça.
E no meio daquela escassez, o destino...
O destino empurrava-lhe o mesmo enredo da mãe, até que o
                                               mesmo aconteça.

“-Pai do Céu me socorre!”

O grito de gozo escoava.
Escarranchada debaixo da umburana.
Ali, a um chegado parente se entregava.
Sem parecença. Em condição subumana.

Da pele vermelha como folhas no caroá.
Frita de sol, ferida pelos espinhos em tão tenra idade.
Com a mesma saga da mãe.
Enterra na terra seca, os frutos da mocidade.

Útero, quase sempre, é colheita certeira!
Naquele lugar, única terra que semente medrava.
Kara Wã! Fertilidade no infortúnio.

A colheita de muita mulher brasileira.

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