Cadeira nº 27: Elizabeth Montenari


Poeta e Compositora


Ser poeta 
Florbela Espanca 

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! 
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor! 
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito! 
E é amar-te, assim perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente! 

Elizabeth Montenari
por Maria José Salles

Declamar Florbela iniciando a minha fala, tem um significado de memórias. Quando dos últimos dias de vida de Elizabeth Montenari, sua irmã Lívia, percebendo minha presença e dedicação constante em sua residência, na semana que compreendeu a internação hospitalar e o óbito, me perguntou o que eu queria guardar de lembrança de minha mãe do coração, visto que estava organizando seus pertences em seu quarto. Eu então escolhi uma encadernação com as poesias de Florbela Espanca, uma toalha com o seu nome bordado e um par de meias de tricô que ela usava (com aquelas bolinhas pelo uso). Muitas vezes, conversando com ela em sua cama, eu ficava acariciando os seus pés, que permaneciam por causa da paralisia, como os tinha aos 3 anos de idade. E quando ela estivesse usando as meias eu ficava puxando aquelas bolinhas de lã, num gesto carinhoso. 

Os versos da Elizabeth como “Compromisso”, “Devaneio”, “Aliança” e outros, falam de um amor humano, ardente, mas de uma transcendência, dos que amam sem querer possuir; ou colocar toda a chama deste amor numa única existência, porém sob o prisma da imortalidade da alma e das vidas sucessivas. Encontros e reencontros marcam as palavras, que parecem bailar nos seus versos, tão musicais, numa cadência única de quem brinca mesmo com as palavras, que aprendeu a amar e conhecer, de dentro das paredes de sua casa. As primeiras cadeiras de roda que Elizabeth Montenari usou - como um dia nos contou Lívia - eram adaptadas de cadeiras comuns, pois naquela época não existia a tecnologia que temos hoje. Nossa querida Beth passou grande parte da sua adolescência internada em um hospital no Rio de janeiro, submetendo-se a inúmeras cirurgias para realizar o sonho de ficar de pé e, quando indagada, o porquê de tanto sacrifício, pois, no máximo o que conseguiria era caminhar lentamente e com dificuldade extrema, ela dizia firme: Quero falar de jesus de pé! 

Conta-se que no hospital ela era hostilizada por causa da sua alegria, autenticidade e otimismo, sem trazer os traços da amargura, o peso da palavra e da condição de “deficiente”, cujo estigma a sociedade vem lutando até hoje para erradicar. Nunca se deixou abater. Aprendeu as primeiras letras com a dedicada professora e também poetisa Dona Carmem da Silva Xavier, que ministrava as aulas na casa da Elizabeth, vencida pela dificuldade de se locomover até à escola, mais pela dependência de outra pessoas que a levassem, porque por ela não haveria mesmo nenhuma barreira, como não houve em lutar, realizar, e viver intensamente, os cinquenta e cinco anos de existência, incentivando, compartilhando e semeando os seus versos, como quem semeia ideias libertadoras. 

Escreveu para a Gazeta de Leopoldina, a revista O Médium de Juiz de Fora e participou da Antologia Leopoldinense em 1979 e 1980. Seus poemas foram premiados em concursos de poesias, entre eles O Concurso de Poesias Augusto dos Anjos, do qual foi uma grande incentivadora e divulgadora, tendo sido premiados neste concurso, amigos dela como René de Oliveira Filho e Irma de Juiz de Fora. 

Em julho de 2000 aproximadamente dois meses antes de falecer, estávamos em Astolfo Dutra, na Fundação Espírita Abel Gomes, num encontro anual de confrades espíritas. Naquela ocasião Beth me chamou e disse: “Filha, eu vou morrer antes da mamãe. Eu sei disso. Minha saúde não anda boa, e a única coisa que eu queria era que, depois que eu morresse, fosse publicado o meu livro de poesias. E é você quem vai fazer isto, porque você saberá escolher os poemas. ” 

Embora a Dona Alayde, sua mãe, estivesse acamada há vários meses, a Elizabeth Montenari faleceu três meses antes dela. Assim, há quinze anos venho convivendo com esse pedido e promessa, talvez o único pedido numa vida repleta de abdicações e dedicação ao próximo. Ah! Se todas as promessas fossem tão doces quanto esta! Ao escolher as fotografias, ler e reler os seus poemas, senti dificuldades em excluir alguns deles, conforme ela sugeriu, a liberdade poética, nos faz personagens, e também perscrutadores da alma alheia e, por tal razão não sabemos se o poeta fala de si mesmo ou desfila histórias e realidades de outros. 

CEIFA o título do livro escolhido por ela mesma, assim como a fotografia da capa: um campo de trigo dourado pelo sol... 

E esta humilde filha do coração, que abraçou a incumbência de cada desejo colocado nesta obra. A minha escolha por ela como patrona e a aceitação, pela Academia, do seu nome para a cadeira 27, destacam Elizabeth Montenari entre as personalidades que valorizaram a nossa cultura e arte. É o reconhecimento, desta grande mulher que, entre os arroubos de quem ama apaixonadamente, nos ensinou a lutar pelos nossos sonhos, a vencer as dificuldades, e a ter o olhar de poeta em tudo que se movimenta e vive neste orbe, que nos acolhe com abençoada oportunidade de crescimento e evolução. 

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