Cadeira nº 12: Funchal Garcia



Pintor e Professor
por Antônio Márcio Junqueira Lisboa


Personalidade complexa, curiosa, simpática. Prendia a atenção e conquistava a amizade e o respeito de todos os que o conheciam de perto. Alto, magro, espessas sobrancelhas negras, cabelos prateados, displicente no trajar, sandálias e um cachimbo inseparável. Modesto, simples, com alma de criança. Crédulo, amigo de todos, conversa fácil, sincero, amigo dos livros, pintor excepcional e escritor brilhante. Este foi o Funchal, com quem convivi durante minha infância

Assim meu pai, Irineu Lisboa, seu grande amigo, escreveu sobre ele:

O rapaz que na mocidade lutara muito vendendo pão pelas ruas para sustentar sua velha mãe viúva e seus irmãos menores, com inteligência, força de vontade e perseverança, chegou a ser professor, ator, escritor e pintor.
[...]
Nosso conhecimento data da festa de comemoração do centenário de Leopoldina. Tornamos-nos amigos e companheiros, dado ao nosso temperamento artístico. Estreamos no animado e concorrido baile do Clube Leopoldina, onde comparecemos em trajes a rigor, usados na época. Eu, o Barão de São Mateus, o Funchal, o Marques de Caparaó. Desde então, nos tornamos os maiores foliões da cidade durante uns 43 anos. Fizemos diversos números, motivados principalmente por acontecimentos da época. Preferíamos o carnaval de rua, levando alegria ao povo. Fantasiados, visitávamos o hospital, o asilo de velhos, sempre bem recebidos pelas Irmãs e confortando os enfermos. Os números eram acompanhados de nossos comentários e diálogos com o povo. Eis os nomes de alguns números: Concurso de Robustez Infantil, O Português e a Crioula, Rumo a Brasília, Dom Quixote e Sancho Pança, Casamento na TV, Velhice Transviada, Transplante de Coração, Guerra ao Mosquito (foto), Lampião e Maria Bonita, Buzina do Chacrinha, Jacinto Paixão e sua Esposa Imaculada. Participávamos, também, das Festas Juninas. Tomaram parte em alguns desses números o Ceci Berbari e o Tufi. Em nossa casa tem um quarto reservado para o Funchal, com tabuleta na porta “Apartamento do Funchal” e nele, nos fantasiamos no carnaval.

Funchal tem apenas o curso primário do grupo escolar. Lutou muito na mocidade para sustentar sua mãe, Dona Mariana, viúva, com filhos menores, vivendo da renda de modesta padaria. 

Muito jovem, saía pela madrugada, ora a pé, ora a cavalo, com uma cesta nas costas, para vender pães e quitanda nas roças, voltando com o dinheirinho, frangos, ovos e rapadura. 

Sua vocação era a pintura. Começou pintando paredes, fazendo garatujas. Dado a sua memória prodigiosa, inteligência, força de vontade, boa prosa, fazia facilmente relações, procurando sempre melhorar seus conhecimentos, aproximando-se dos homens cultos e de pintores consagrados, tornando-se, assim, um grande pintor, escritor, ator, professor, elogiado e admirado em todo o Brasil. Dentre suas numerosas telas, destaca-se a do Pontão da Bandeira, premiada na Exposição de São Francisco, América do Norte.

Foi membro da Academia Mineira de Letras e da Academia Valenciana de Letras. 

Como professor de desenho, lecionou no Ginásio Carangolense, Ginásio Leopoldinense e na Escola Municipal de Madureira, no Rio de Janeiro. Como ator, representou peças teatrais, entre elas, a Ceia dos Cardeais, em festas beneficentes. Como pintor, deixou para nós um mural na Praça Felix Martins: Fundação do Arraial de Leopoldina – Feijão Cru. Como escritor, publicou: Memórias de “Ivan Trigal”, “Retalhos de Minha Vida”, “Cachimbo, Cachaça, Verdade e Fumaça”, “Ladrão por Esporte”.

Era fanático pelos “Sertões”, de Euclides da Cunha, chegando a declamar de cor páginas inteiras. De espírito aventureiro, encasquetou conhecer o Nordeste, o palco da Guerra dos Canudos, a região, o povo e os costumes. A viagem foi realizada por etapas: a cavalo, de trem e de carona. Orientado por documentos, fez o mesmo roteiro de Fernão Dias, desde São Paulo à Serra Resplandecente, sem auxílio, e aproveitando o período de férias. Funchal era um “mão aberta”.

Seu dinheiro era dos amigos e da pobreza. Nunca conseguiu ter casa própria. Aí vocês têm uma síntese da personalidade do Funchal, merecedor de nossa admiração”



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