sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Augusto na literatura e na música

Atividade em Homenagem ao Centenário de Morte de Augusto dos Anjos, sob direção da acadêmica Begma Tavares foram apresentadas duas comunicações no dia 14 de novembro de 2014.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Seiva de Luz também homenageou Augusto dos Anjos

O grupo de teatro leopoldinense criou, produziu e apresentou, no dia 12 de novembro de 2014, no Auditório do CEFET, a peça Augusto em Cord´Eu. Aqui apresentamos algumas imagens do evento.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

12 de novembro de 2014: há cem anos, morria Augusto.

A Secretaria Municipal de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo fez o lançamento de Placa e Selo comemorativos desta efeméride, seguindo-se a entrega do título de Cidadão Leopoldinense ao escritor Alexei Bueno. À tarde, foi realizada visita ao túmulo de Augusto dos Anjos, com declamação de poesias por alunos do Centro Educacional Conhecer e da Escola Estadual Augusto dos Anjos.


terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Quadrinhos e Augusto: mesa redonda

Foi realizada no dia 11 de novembro de 2014, no Anfiteatro Luiz Raphael do Museu Espaço dos Anjos, mesa redonda mediada pela acadêmica Glaucia Costa. Participaram Jairo Cézar, de Sapé (PB), autor do livro Augusto dos Anjos em Quadrinhos; a acadêmica Natania Nogueira, de Leopoldina (MG); e o professor Guilherme Garcia, de Belo Horizonte (MG).

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Augusto dos Anjos em Quadrinhos

Na noite do dia 10 de novembro de 2014, como parte das Homenagens pelo Centenário de Morte de Augusto dos Anjos, a Energisa trouxe a Leopoldina o escritor Jairo Cezar, Secretário Executivo de Cultura do município de Sapé, PB, terra natal do poeta, autor do livro Augusto dos Anjos em Quadrinhos.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Amostragem Poética

Anderson Braga Horta


I — BALIZAS DE UM CAMINHO

UM OLHAR

Aves de arribação, que passais tristes,

que buscais o calor de novos lares...

aves de arribação, acaso vistes

as asas de um amor cortando os ares?


Se da esperança a voz sumida ouvistes,

se lágrimas de luz brotando aos pares

de ocultos arquipélagos sentistes,

nos vôos rente ao dorso azul dos mares,


dizei-me onde é que estão, porque são minhas!

... No entanto elas se foram, tênues linhas

já prestes no horizonte a mergulhar.


Não responderam... Nem sequer me olharam.

Mas diz o coração — que naufragaram

na profundeza de um celeste olhar.


(1950)



                        UTOPIA


Que saudades, meu Deus, de uma terra infinita,

terra que nunca vi, onde em luzes se agita

o pássaro do amor, a pulsação das almas!

Meu país ideal, que do deserto as palmas

não beijaram jamais... Terra do sol nascente,

da perpétua alvorada, onde brota a semente

sempiterna do amor, dos sonhos e da vida!

Pátria da primavera! ó luz desconhecida,

que do insondável desce e nos penetra fundo

a alma pequena e vil, no globo vil e imundo,

como a purificar a sordidez da Terra!

essência imaterial, que em nossos peitos erra,

do espírito, do amor, da própria eternidade!

Oh! que universo encerra a nação da Verdade,

terra das ilusões perpetuamente em vida?

Vive em brumas, talvez? nos báratros perdida?

Do próprio coração —esse pego profundo

debatendo-se em vão nas borrascas do mundo—

a Humanidade ansiosa aos céus lança este grito:

“Senhor! Senhor! dá forma e dá vida a este mito!

Concretiza este sonho, essa terra ideal,

pátria do céu azul, da ventura eternal,

país que traz no seio, insondáveis, perdidas,

primaveras de luz, fantasias floridas!”

E este grito se perde e esvai-se pelos ares,

do deserto à floresta e dos rios aos mares.

Mas eu sinto no peito uma ânsia infinita,

um desejo profundo, e tenho a alma fita

numa estrada sem fim, cercada de ciprestes,

inundada de luz e de aromas agrestes,

na reta que se perde além dos horizontes,

resplendente da luz de incognoscíveis fontes

a jorrar, em cachões, numa espectral coorte...

E eu vejo esse país nas veredas da Morte.


(1951)



  NAVEGAÇÃO


Cintila a noite azul, povoada de estrelas.

Nos olhos do Universo ardem chispas de luz.

Velas pandas no espaço, as ástreas caravelas!

Pelo éter infinito a Via Láctea as conduz


—correntes do Alto Oceano— a ocultos portos. Velas

pandas na escuridão! Nos longos braços nus

o Cruzeiro do Sul a ignotas Compostelas

vai carregando o corpo etéreo de Jesus.


A pálpebra do luar fechou-se. Um manto baço

de nuvens cobre o céu. No entanto, em todo o espaço

ardem constelações — além dos olhos meus.


E eu sonho os mil milhões de universos pulsando,

naus do imenso Oceano, ardentes navegando

para o eterno esplendor das voragens de Deus!


(1952/1979)



 DIA APÓS NOITE


Vendo o azul, que dilúculos augura,

da madrugada, e a mágoa do sol-posto,

quedo-me triste, e penso, com desgosto:

O mesmo céu, que é berço, é sepultura.


Assim também, um dia, no teu rosto,

nos teus olhos de cálida brandura,

vi tua alma a acenar-me, inda mais pura

sob o véu do cabelo descomposto.


Como a noite, porém, sucede a aurora,

tu me fugiste, e a luz, que me envolvia,

nas trevas se tornou em que ando agora.


Retorna entanto o sol, que antes morria.

E a minha alma, por isto, já não chora,

mas espera o raiar de um novo dia.


                                                               (1953)



O CEMITÉRIO DE ELEFANTES


I


Vem silente o tropel dos tardos elefantes.

(África ardente! Aqui a vida, vária e incerta,

pulula no solar da floresta referta

e enche a desolação dos ermos palpitantes!)


Monótono, ao calor, sob a amplidão aberta,

segue o rebanho. Em grupo, estranhos caminhantes

passam, longe. Esvoaça a alvura dos turbantes.

Melodias de fogo o sol, triste, concerta.


De repente, um clamor assombra os horizontes.

Desordenada, agora, a procissão caminha,

com a fúria dos leões, estremecendo os montes.


E em grita, arruinando as florestas austeras,

eis estoura a manada, em cólera daninha,

espantando os chacais e amedrontando as feras!


                                             II


Súbito um deles pára. Arquejando, sombrio,

com um mudo olhar de adeus, vai deixando a manada.

Pesa-lhe o ar. A terra aos pés lhe some. E em cada

árvores algo de si vê, no seu desvario.


No cérebro do bruto, em célere revoada,

relampejam visões do passado. Vazio,

o olhar agora vê na corrente do rio

o destino da vida... O fim que o espera é o nada!


A selva onde nasceu, as planícies que amava,

o céu, a luz, o ardor da natureza brava,

tudo isto nunca mais, nunca mais há de ver.


Mas aonde vai, que marcha e tropeça e rasteja?

Que fruto derradeiro inda provar deseja?

Que migalha de vida inda ele quer colher?


                                           III


Eis fronteiro ao destino o bruto moribundo.

Ao pé de uma cachoeira, o olhar embebe, aéreo,

além da água irisada. Onde está? Que mistério

o trouxe a este lugar de que não sabe o mundo?


Atravessa o caudal. Do outro lado, no fundo,

uma clareira se abre. Um templo? um cemitério?

O ar, grave e sepulcral como o de um monastério,

agita-se, ferindo o silêncio profundo.


Pára, hesita o elefante, entre brancas ossadas,

às centenas no chão. Fraqueja, desfalece,

já sentindo na fronte o anélito do fim.


E sereno, fechando as órbitas vidradas,

pesadamente cai no solo, que estremece,

entre arcos de granito e presas de marfim!


(1953)



AS CIGARRAS ESTÃO CANTANDO NOVAMENTE


As cigarras estão cantando novamente.

E eu saí para ouvir o canto das cigarras...

Uma aqui, outra ali, monótonas, bizarras,

zinem, fremem assim melancolicamente

como folhas caindo à luz frouxa do poente.


Hoje a tarde está límpida e suave,

da leveza pagã de uma aquarela...

Uma cigarra geme uma nota mais grave.

E uma folha amarela

inexplicável

rasga verticalmente o quadro da janela.


O mar, imperturbável,

beijando longamente a costa atlântica,

dança, plácido, ao som de uma canção romântica

trazida pela mão sonâmbula da brisa.

E, aos murmúrios que vêm da profundeza oceânica,

a tarde agonizante se eletriza.


De repente,

numa fúria satânica,

um grito de volúpia estremece a atmosfera,

como se a maldição de uma cratera

desabasse na calma do crepúsculo!...


Mas a angústia passou, efêmera e nervosa,

como passa a poesia de uma estrela cadente.


Numa agonia vagarosa

a tarde vai morrendo. Um pontinho minúsculo

rompe as nuvens. Depois, languidamernte,

milhões de estrelas jorram no infinito.


Uma última cigarra, impertinentemente,

ensaia ainda um fretenir aflito.


E eu, que vim para ouvir o canto das cigarras

monótonas, bizarras,

volto ouvindo o esplendor de uma orquestra divina,

que aos poucos vai morrendo em trêmula surdina...


(1955)



O TOCADOR DE REALEJO


De repente

melodia estranha avassalou meus ouvidos

como descida dos céus.

Olhei em volta, num deslumbramento.

Era a primeira vez que via um realejo.

E toda a rua se maravilhou

e crianças surgiram não se sabe donde

e o céu desceu à terra

e o mundo parecia salvo!

O macaquinho em cima do instrumento fazia piruetas, sério,

cônscio de seu papel na alegria geral.

Homens satisfaziam-lhe o pires estendido.

Mulheres tagarelavam e crianças apontavam sorridentes com o dedo.

A multidão se dispersou lentamente

sem que ninguém notasse o velhinho de barbas brancas tocando a

manivela.


                                                                                                                               (1956)




LABIRINTO


Nem com os não merecer não nos perdera.

E, pelos possuir sem merecer,

as mesmas penas sofro que sofrera

por, outrora, querê-los e os não ter.


Ah! quem tal turvamento me entendera!

Em pranto, sinto, sem o compreender,

que eles são velas me esvaindo em cera,

velas em cuja luz arde o meu ser.


Penso que vou morrer, que o sol me apaga.

Olho-os, e ferem-me as pupilas deles;

beijo-os, e, então, sonegam-me o calor.


Não profundemos mais tão funda chaga!

E, pois que tanto mal me fazem eles,

devolvo-te os teus olhos, meu amor.


(1957)



   TROVA


Vida melhor não existe

que a das cigarras: à toa,

cantando se a vida é triste,

cantando se a vida é boa.


                                                (1963)




II — ALGUNS POEMAS SOBRE POESIA



              GÊNESIS


Fruto de estranho sonambulismo,

grave e sombria como um altar,

minha poesia nasce do abismo

onde em desmaios, enquanto cismo,

brilham suaves lendas de luar...


Nasce do fundo leito dos bosques

onde negrejam sombras de amor;

da água da fonte trêmula e triste

que se destila silêncio e flor.


Nasce da névoa deslumbradora,

do encantamento das ilusões;

do indecifrável poço da angústia,

cheio de rubras aparições.


Nasce do abismo desses teus olhos,

lagos profundos a palpitar,

onde em desmaios, palidamente,

cantam suaves lendas de luar...


(1955)



       TORRE DE BABEL


A noite desceu, bruta e simples

em sua beleza selvagem. 

A noite caiu como um fruto,

que o homem, faminto, comeu.


Noite estrelas, lua nua,

rua

pálida à luz da lâmpada sombria,

noite caixa-de-segredos,

noite!


Eu não descanso em ti, que és a semente,

descansarei à sombra da árvore alta.


Noite do albor da adolescência, que

foste a minha primeira namorada,

amo-te como se ama a um passarinho morto.


Noite oceano, olhos da amada,

nunca me esquecerei de teu deslumbramento,

que tanto é bela no teu rosto a vida!


Tinha uma pedra no caminho, atirei

no céu — estrela virou.


Cai, noite, cai, doce fruito,

o homem faminto te espera.


(1958)



     FÁCIL


Digo: Na remansosa

tarde, expira uma rosa

e pende o cálix, grácil..

Digo-o porque é mais fácil

do que dizer: No dia

sem glória e sem poesia

feito em trevas sem nome,

morre um povo de fome.


(1962)


          BABÉLICA


Falo várias línguas

e não me entendo.

Quanto aprontarei

meu próprio instrumento?

Falo várias línguas,

toldas elas mal:

CDA, Bandeira e

—pecado capital—

Castro Alves, Bilac,

etc. e tal.

Por mais que me explique,

não me justifico.

Podia, por desfastio,

inventar o Concretismo.

Mas já foi inventado

e arquivado. Me

restaria agora

buscar a receita

(ah, mas é mais fácil

esperar que terceiros)

pra desta babélica

convergência de outros

que é (m)eu,

cozinhando-a ao ponto,

tirar o eu multívoco

e uno, estranhamente

próprio, que me/eu fosse.


                                                          (1963)



                                                   

                               TANGENTE


No Mar Encoberto

       p l á c i d o

idéiaemoção (palavra) =

          a       c     (s)

      b’      r      o

cego(s) na superfície. Nas

entrepalavras verde-

(rasgada agora crespa)

-lucila a água fluidíssima.

Sobrejacente a

nave navega, nada.


                                                                (1966)



  TELEX


A Rumen Stoyanov


A poesia é a fonte em que ativamos a sede.

A poesia é o alimento que impede a saciedade.

A poesia é o espinho que nos protege da flor.

Mas a poesia é flor, ou promessa de flor.

A poesia é o Nada nos-criador que modulamos.

A poesia é a Rosa que inventamos prévia.

A poesia não é a rede, nem o mar, mas o lançar da rede ao mar.

A poesia é o plágio do não visto

Atenção:

                       a poesia é uma explosão controlada.


                                                                                                                                             (1973)



MULTÍMODA


Não apenas de cálculo se nutre,

nem somente de música, a Poesia.

Nem é ela o noturno, o tetro abutre

a tripudiar nas podridões do dia.


É maior que as campinas onde a lua,

cavalo branco e azul, selvagem nitre;

mais do que amor medrando em pedra nua,

sonho de flor na crosta de salitre.


Tudo cabe no poema — o claro, o escuro,

o cinza, afinidades, dispersão,

fúrias, mares, exílios, natureza.


Que não visa a Poesia ao belo puro,

nem à pura emoção, mas à emoção

transfigurada em timbres de beleza.


(1977)



III — LIVRE ESCOLHA



         OLHOS


De repente descubro

a lavada beleza de teus olhos:

(entre mim e o sono,

trazes um sol nos lábios

e nos seios Vênus)

teus olhos são como céus que choveram.


(1959)



INVENÇÃO DA NOITE


Deste silêncio e desta treva

construo a minha noite

particular e intransferível.

Não preciso inventar as estrelas,

elas nascem e brilham por si mesmas.

E à meia-noite uma lua triste

levanta a cara de prata no horizonte

e verte nos meus olhos um choro, um frio.


(1959)



CELACANTO


Nadando em costas d’África

Fruía o Celacanto

Emissário do outrora

O seu quinhão de pranto

No sal que imita a lágrima

Das águas no acalanto.


                        Talvez último príncipe

                        De extinta dinastia

                        Em seus rudes sentidos

                        A solidão doía

                        Gritava o alto silêncio

                        Da profundeza fria.


Do seu mundo apartado

Por muitos milhões de anos

Só — atual e pré-histórico

Assombrando os oceanos

Que mistérios guardava

Nos seus pobres arcanos?


                        Na viuvez atônita

                        Tu Celacanto corres

                        De ti e contra ti

                        Que de lembrar te morres

                        E que em tua orfandade

                        De ninguém te socorres.


Tosco irmão Celacanto

Em solitário nado

Brasão de sonho em fuga

Em campo blau plantado

É verde o teu enigma!

E eu te decifro e calo.


(1960)



REGRESSO


Viver é um desterrar-se

do Limbo, do Nada,

do Onde-não-se-Sabe.


Convivemos o exílio

cordatos, ferozes,

tolas rãs no lago,


esquecidos, vagos,

saudosos às vezes

do que éramos-nada.


Curta circunviagem,

esvai-se a vida,

                           trêmulo

peixe no mármore.


(1961)



(A)MAR(O)


Em março o mar soletra

sol e ar e luar.

E o pescador espera,

a cismar,

que das espumargênteas

vagalínguas a ondear

saia a palavra peixe.

E põe-se a piscicar,

de anzol, tarrafa, rede,

arpão — o mar.

Tempera-se a salina

escuma na carícia

doce do ar.

Chispam gaivotas-hifens

a mergulhar,

relâmpagos de união

entre ar e mar.

E o pescador espera.

O mar tostou-lhe a cara,

pôs-lhe vagas no olhar

e na pele. Sua alma

tem um fundo de sal.

Mas deu-lhe o mar um vago

íntimo marulhar

que em março, abril, desmaios

de amor lhe dá.

E essa amável magia

é que o faz esperar,

de janeiro a dezembro,

no seu destino claro:

amar o mar amaro.


                                                   (1963)



                  RAÍZES


À noite elaboramos nossa essência

(que importa se esvaneça na alvorada?):

uma ânsia de fantástica existência

de oníricos fermentos insuflada.


A noite é quem recolhe essa mais fluida

secreção da alma: o sonho. Ou, antes, a alma

em movimento, o ser, que, sendo, cuida

de fazer-se, recriar-se em louro e palma.


Alma, sonho. O criador sendo a criatura,

como argila que o próprio sopro anima!

Vive-se o dia para a noite escura

que do clarão do sonho se ilumina.


Pois o que somos sob o sol? — Raízes

de inda inconcretas florações felizes.


(1963)







MATEMOS A ROSA


A Eliezér Demenezes


A gripe me separa de minha família.

Casado — provisoriamente no regime de separação de corpos,

pai — provisoriamente frustrado, desterrado para o outro extremo da

casa,

durmo na sala, de quarentena.

Mas não durmo: penso no porvir de meus filhos.

Não o desejarei de rosas.

Não porque pense nos espinhos

¾ o Homem forma-se na luta

e muita vez os espinhos valem mais do que as rosas.

Mas porque as rosas têm hoje outra carga simbólica

e já nada diferem dos cogumelos.

Pais de todo o mundo, cuidado! aos nossos filhos

não lhes demos a cheirar destas rosas,

a comer destes cogumelos.

Sei que o meu apelo é patético,

sei que somos doidos brincando no jardim,

e talvez eu mesmo ajudasse a plantar a rosa,

a dar sombra e umidade ao cogumelo.

Mas os meus filhos estão chorando

e agarram a vida com ambas as mãos no seio materno.

Quisera lhes dar a justiça que não temos construído,

o amor que não temos regado.

Fujamos para o quintal!

fujamos para os vastos abandonados quintais

de nascituras hortas, pomares e roçados.

A rosa corre de mão em mão

                        ¾ quem quer a rosa?

                        ¾ quem não quer a rosa?

                        ¾ quem a despetala?

                        ¾ quem lhe aduba a terra?

Fujamos para o quintal

e esqueçamo-la,

entre abóboras, repolhos e pepinos,

esqueçamo-la,

sob os pimentões e o trigo

sepultemo-la com sua morte.

As batatas e as cebolas manam poesia.


(1963)







CRIANÇA CHORANDO


Para meu filho Anderson


Teu pranto abala as raízes da noite.

Tuas lágrimas reanimam a velha metáfora

e molham consteladamente o lençol.

Da obscuridade da tua fome

e do teu desamparo

clamas pelo dia, o teu dia,

quando fraldas e cueiros serão retratos esquecidos no álbum

e mamadeiras e chupetas te farão sorrir sobre outros berços.

Da noite do ventre materno saíste para a penumbra

e choras.

Tão pequeno e já franzes a testa.

Porventura sabes quanto pranto é preciso para fazer-se um homem

e te constróis impacientemente.


(1963)



MINHA FILHA


Para a Marília


Minha filha, tudo em ti é pureza,

mesmo o que em nós nos lembra

o charco original.

Merecias um madrigal,

não um poema lírico-triste,

cheio de vã filosofia.

Por ti, devera eu reencontrar a inocência.

Mas como ser inocente e lúcido?

Não, hoje não escrevo o teu poema.

Olho-te, avaro: meu amor é um lago

incomunicativo.

Te pego ao colo. Choras.

Mudo-te as fraldas e adoro-te em silêncio.


(1963)




SEMÂNTICA


As palavras morrem,

virgens, de usura,

Fartura­ —

as palavras

finam-se de desuso.


As palavras desviam-se,

mudam de órbita

                        Democracia

as palavras, satélites

forçados a novos planetas.


As palavras ocam-se,

deslembrados signos

— Paz, Amor

por onde o pensamento,

como um óleo, vaza.


As palavras gastam-se,

oxidam-se de malícia e asco.

— Liberdade! Liberdade!

As palavras.


(1965)



PLANALTO


§          O mar é um grande pulso que lateja.

O planalto é um mar de vagas imobilizadas na diástole,

e o pulso anula-se na tensão áspera da pele.


§          Gritos mineralizados. O tempo

            lapida os cristais fendidos do silêncio.

            E das fissuras mana (imperceptível)

            uma saudade marinha.


§          Esmagado espanto vegetal. Pássaros

            nadam entre as algas. Seres

            estranhos

            deslizam no fundo. Restos.


§          O Homem, navegador crispado,

            vem sulcar estas águas

            coaguladas. Decifra na face

            do planalto (memória

            de mar petrificada)

            seu arcano, e semeia-lhe

            arquipélagos.


§          Sobre as vagas imóveis

            um vivo mar agita-se.


(1967)




DESCOBRIMENTO  


Eu, navegador

caótico,

sem carta de marear,

escassa mão no timão, quase sem leme,

igualmente desassistido das poéticas palavras

portulano, astrolábio,

e cuja invisível bússola

nem sempre funciona,

eu, marujo sóbrio

mas entretanto bêbedo de sereias impossíveis,

desta nau que os ventos compelem

—contra toda ânsia de porto

e embora me ache às vezes capitão de ventos—,

nesta longa derrota, eu,

após Circes de circo e calmarias de assexuadas sereias resserenas,

desprezadas duzentas Índias ocidentais e orientais, Brasis de

espanto, Antártidas de olvido,

nesta longa derrota, eu,

vencidas onze mil solidões de sono e éter,

eu, navegador, bastou-me

erguer os olhos

e te amo

                 :  Astros à vista! —

um céu sem céu,

luar de seios, ástrea

carnação nas faces, onde os olhos

são estrelas maiores,

nuvens de asteróides, anéis de Saturno, auroras

boreais, e um sol

violento,

                    rubra central da vida,

: — sim, e, oh, eu,

navegador, meu caos

organizo,

e subo e, sem vislumbre

de queda,

para o encontro

desces

                (âncoras! âncoras!)


E chanto-te o terrestre

padrão nos astros êxules da carne.


(1972)





O PÁSSARO NO AQUÁRIO


                                   §


Era um ponto no aquário.

Era uma escama aberta

no verde dúbio da água. Era uma estrela

mínima em céus de queda.

Era um frêmito, um ritmo,

um verso regressivo à origem, nada,

um sopro extinto, inda outra vez soprado

por sol de oblívio, escuro.


O pássaro no aquário

solfejava em silêncio um sol futuro.


§§                                 


E eram guelras na escuma, e os olhos, algo

como um pranto na areia, entre algas, planctos,

como um pranto chorado em meio a lágrimas

retidas no olho inexistente. E em breve

eram garras na terra, a dura guerra,

o mar perdido e o espaço ausente, ausente.


                                   §§§


Garras, e a crua guerra.

Barro de espanto e dor no descampado

entre o sêmen do sonho e a fronde ao vento.

Mas o dó, mas o espanto,

a dor e seu invento:

um sol menor no peito;

domado, um lá na plúmea

escama distendida em ala urgente.


E era um pássaro na alva de escarlata,

cantando no alto a ária de orvalho e prata!


(1972)


NOTA

            “Trova” está em ­Trovadores do Brasil­­, de Aparício Fernandes (Rio de Janeiro, Editora Minerva, 19697); “Invenção da Noite”, “Raízes”, “Matemos a Rosa”, “Criança Chorando” e “Minha Filha” integram Altiplano e Outros Poemas (Brasília, Ebrasa / INL, 1971); “(A)mar(o)” e “Celacanto” figuram em Marvário (Clube de Poesia de Brasília, 1976); “Torre de Babel”, “Olhos”, “Regresso”, em Incomunicação (Belo Horizonte, Incomunicação / INL, 1977); “Semântica”, em Exercícios de Homem (Brasília, 1978); “Multímoda” (e)[, “Telex”,] “Planalto” [e “Descobrimento”], em Cronoscópio (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira / INL, 1983); “O Pássaro no Aquário”, no livro desse título (Brasília, 1990); “Labirinto”, em Dos Sonetos na Corda de Sol (Guararapes, 1999); os demais permanecem inéditos em livro.